Se o início da greve dos polícias militares do Estado da Bahia representou um momento importantíssimo para os setores populares e para os lutadores sociais acirrarem as discussões relacionadas as transformações no policiamento, especialmente sua desmilitarização (supressão da autoritária hierarquia militar) e uma transformação no seu olhar ainda marcado pelo racismo, seu saldo oferece a oportunidade para a continuidade do movimento que irá auxiliar na construção de uma outra sociedade.
Na greve também aflorou a idéia de que uma grande parcela da força policial, braço armado do Estado, que historicamente humilha e impõe o terror aos cidadãos que não gozam de muitos recursos para sua sobrevivência (notadamente negros), são indivíduos cuja condição social em nada difere daquele para os quais recaem sua arrogância, o chumbo de suas balas, os golpes de seus “cacetetes”, os jatos de spray de pimenta, etc. Situação que deixou muitos militantes socialistas numa posição desconfortável: sua coerência exigia que não negasse apoio aquele que pouco antes utilizava (e, ao menos a curto prazo, continuará utilizando) todo seu aparato bélico e “legal” para reprimir manifestações tão justas quanto a que de sua parte recebeu apoio. Situação que jamais implicou em ignorar a violência policial, os freqüentes abusos de “autoridade”, o racismo institucional, etc.
A paralisação do policiamento, ao contrário do que foi bastante explanado, não gerou nenhuma insegurança para a população e sim deixou mais evidente uma violência que historicamente vitimiza todos os dias jovens negros das áreas periféricas dos centros urbanos. Em Salvador não é diferente. Tais afirmações apenas evidenciam a atitude do Governo que, ao invés de buscar soluções para os problemas da sociedade, buscou acirrar os ânimos a seu favor, colocando categorias de trabalhadores umas contra as outras, fortalecendo a falta de união entre a classe trabalhada, um desserviços para qualquer perspectiva revolucionária. O policiais militares foram os mais recentes alvos da política de criminalização da luta por melhores condições, sendo declarados os únicos culpados pela falta de segurança que a tempos conhecemos e que afeta a vida de todos os trabalhadores, da classe que vive do trabalho.
O fim da greve não pode significar o fim do(s) movimento(s), seja o reivindicatório dos agentes da segurança, seja o dos setores populares da esquerda que julgam necessário uma outra Policia que em nada se assemelhe aquela que conhecemos. Uma polícia não militarizada, verdadeiramente cidadã e democrática, aquela cuja atuação seja fruto de ações de seres humanos conscientes dos problemas sociais. O debate é amplo e, sem dúvidas, nenhum interesse vai despertar no setores mais reacionários da sociedade (aqueles que criminalizam os Movimentos Sociais). Pelo contrário, neles irá fazer ficar mais evidente os piores sentimentos, especialmente o receio de perderem seu “braço armado”, que se encontra socialmente imobilizado (pela hierarquia militar e pela impossibilidade “legal” de realizar greves) e apontado para a cabeça de outros setores da classe trabalhadora, dos estudantes e/ou de todos aqueles que são vítimas da violência policial. Por isso devemos continuar clamando por justiça social e democracia, sem ignorar os quartéis como parte importante de nossa sociedade.
Os dias de greve ao mesmo passo que mostrou a nós, cidadãos, a condição de classe dos praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) da Polícia Militar; também tornou mais evidente que uma parcela minoritária da corporação utiliza como “armas” a violência e a intimidação. Aliás, nada que surpreenda numa instituição ainda marcada pelo autoritarismo (presente desde a hierarquia militar) dos ainda presentes tempos da ditadura militar. Ora, lidando e sendo vítima de uma estrutura autoritária os praças policiais muitas vezes transpõem para as ruas todas as contradições da sociedade que é amplificada dentro dos quartéis (onde as desigualdades se tornam mais evidentes e demarcadas por linhas, estrelas, gemadas e outros símbolos de diferenciação social na hierarquia militar). Nas ruas, quem, na hierarquia militar, está na base da piramide pode experimentar certa condição de poder que a farda e todo seu aparato de força representam (armas, os símbolos da instituição e dos batalhões, etc.), afinal é formado para compreender a estrutura em que está inserido como a mais eficaz possível. Por isso, mas, também pelo risco de punição e retaliação, o questionamento sobre o modelo de Polícia é uma tarefa, inicialmente, externa a corporação, cabendo aos lutadores sociais, ao povo, colocá-la em debate.
Outra questão importante e que merece destaque é a forte relação da mídia com o Estado, especialmente com seu braço armado. Durante as assembléias realizadas pelos policiais grevistas toda a sociedade percebeu o descontentamento deles com a postura da imprensa, que não poupou esforços para criminalizar o movimento. Diante de tal situação esperasse uma mudança de postura dos policiais em relação a mídia, especialmente ao “jornalismo” sensacionalista que oprime e faz "chacota" da população, especialmente da juventude negra que muitas vezes vê sua dignidade atacada pela forma como seus irmãos são tratados nos “interrogatórios” (entrevistas) realizados por “jornalistas”, inclusive dentro das delegacias e com a devida conivência de policiais civis e militares e muitas outras autoridades. A continuidade do movimento requer uma mudança de postura dos policiais, inclusive para angariar apoio dos setores populares da sociedade, que precisa compreender que eles enfrentam os mesmos problemas que os seus. Isso só acontecerá quando o policiamento ocorrer de fato em função do cidadão, sem agredi-lo (as vezes com sua própria presença), sem humilhá-lo.
Enfim, o movimento não acabou, apenas precisa ampliar sua atuação para além dos períodos de acirramento. Tarefa que será melhor desempenhada se todos os envolvidos nesses doze dias de greve realizarem uma separação nítida entre a Polícia Militar (Instituição por origem repressora) e o policial (trabalhador que, como qualquer outro, é vítima de um modelo de sociedade excludente e autoritária).
Kleberson Alves
Professor de História e militante Psol-BA
Imagem: http://www.brasilatualidades.com.br/2012/02/greve-da-pm-salvador-registra-17.html
Imagem: http://www.brasilatualidades.com.br/2012/02/greve-da-pm-salvador-registra-17.html
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